Editorial: Jornalismo, taxação e fake news

Ainda no início da pandemia, em 3 de maio passado, a Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) lançou a Plataforma Global por um Jornalismo de Qualidade, com a proposta de taxar as grandes plataformas mundiais, fomentando em cada país fundos de suporte ao jornalismo.

A ideia se assenta numa lógica sólida, visto que empresas como Google e Facebook dominaram o mercado mundial da comunicação, apropriando-se de conteúdo jornalístico de graça – ou quase – como alavanca para seus negócios monopolistas e extremamente lucrativos. O chamado “modelo” de negócio das plataformas é um ponto chave da crise que atinge todo o segmento da comunicação em nível mundial.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) dedicou-se, em seguida, a debater e adequar a proposta ao cenário e à legislação brasileira, elaborando o projeto de uma Cide (contribuição de intervenção no domínio econômico) a gravar o faturamento das plataformas de tecnologia, gerando receitas para um fundo público em prol do jornalismo, como noticiamos em nossa reportagem de capa desta edição.

Parasitas do jornalismo
O fato é que a chegada da internet, nos anos 1990, e a constituição progressiva das redes sociais, encontrou o Brasil aberto à penetração sem regras das multinacionais da tecnologia, estabelecendo um desequilíbrio crescente no setor econômico: de um lado, as empresas de comunicação, que a legislação considera como tais, e que operam submetidas a um regramento legal e tributário; por outro, as empresas de tecnologia, ligadas ao grande capital externo, que foram dominando o ambiente no qual se dá a comunicação, mas que a lei não considera “empresas de comunicação”. Criou-se assim um cenário no qual, ao usufruir sem custos do material jornalístico produzido pelas empresas da área – ou por jornalistas avulsos – para rentabilizar seus negócios, baseados em acessos nas redes sociais, as grandes plataformas tornaram-se parasitas dos órgãos de comunicação, matando com frequência os hospedeiros, como atesta o fechamento de dezenas de jornais e revistas pelo Brasil afora.

As grandes plataformas tornaram-se parasitas dos órgãos de comunicação, matando com frequência os hospedeiros, como atesta o fechamento de dezenas de jornais e revistas pelo Brasil

A questão do emprego merece uma palavra: as empresas jornalísticas, sob pressão econômica, respondem à crise demitindo jornalistas, reduzindo as redações, fragilizando as próprias condições práticas para o exercício de um jornalismo relevante para o cidadão. Ao mesmo tempo, Google e Facebook, que juntos faturam bilhões de reais no Brasil, geram apenas algumas centenas de empregos, concentrados nos grandes centros.

Quando se fala, então, em fundo de fomento ao jornalismo, um dos principais critérios de alocação de recursos defendido pela Fenaj é uma distribuição mais equitativa pelo território brasileiro, de forma a abrir empregos para jornalistas e produzir jornalismo com qualidade e pluralismo em todos os cantos do território nacional, combatendo também os “desertos de notícias”, que prejudicam o direito à informação de milhões de brasileiros.

Informação confiável
Se o panorama do jornalismo profissional no Brasil já era de monopólio e concentração da mídia há décadas, a situação agora se agrava. Com o enfraquecimento da atividade jornalística, criam-se as condições propícias à emersão generalizada de fake news pelas redes sociais. Claro que, depois das eleições de 2018 e do que se seguiu, há uma preocupação crescente na sociedade com o combate às falsidades que circulam sem parar. Amplia-se o trabalho de checagem, que, no jornalismo de qualidade, sempre existiu (sobretudo como processo interno). Circula no Congresso um projeto de lei a respeito do assunto.

É preciso cuidado ao tratar do tema. Não há sentido em entregar às grandes plataformas a tarefa de arbitrar o que é ou não falso em termos de informação. É o caminho mais curto para o estabelecimento da censura. Quando se trata de ação deliberada de desinformação social, com objetivos ilícitos, é preciso recorrer a meios legais e batalhar pela punição aos criminosos.

Mas o antídoto eficaz contra fake news só pode ser o fortalecimento do jornalismo. Os leitores sabem que, quando a notícia provém de fonte confiável, são boas as chances de estar correta. É com reportagem, investigação, equilíbrio e ética que se constroem órgãos noticiosos de relevância social e que conquistam respeito ao longo do tempo. Isso permite um enfrentamento sólido à disseminação de falsas notícias. A proposta de um fundo de fomento à atividade jornalística aponta justamente nesta direção.

Ainda estamos, porém, no meio da travessia de um inóspito deserto. O governo de Jair Bolsonaro promove, em seu cotidiano, ataques sem quartel ao jornalismo – contabilizados pela Fenaj em 299 até o final de setembro, cerca de dez por semana. Ao mesmo tempo, é uma usina de produção de desinformação, com consequências catastróficas para o país neste período de pandemia. Já passamos das 160 mil mortes! São duas faces da mesma moeda: disseminação de mentiras, combate ao jornalismo. Pela negativa, Bolsonaro mostra a ligação umbilical entre as coisas e nos inspira a apontar a via de sua superação.

Trata-se agora de abrir uma ampla discussão com os diversos setores sociais – a começar pelos segmentos mais ligados à defesa da democracia, da liberdade e da igualdade social – para forjar um sólido movimento, a partir dessa iniciativa dos jornalistas, que permita reverter o atual cenário e ampliar e reforçar o jornalismo brasileiro.

Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo