Cresce mobilização contra extradição de Julian Assange

Vitória eleitoral dos trabalhistas na Austrália, seu país natal, e declaração favorável da comissária de Direitos Humanos da União Europeia contam pontos a seu favor

por Pedro Pomar

Representantes do Sindicato dos Jornalistas de SP participam de manifestação em frente ao consulado do Reino Unido, em 25 de fevereiro, no Dia Internacional de Atos pela Liberdade de Assange / Foto: Roberto Parizotti

Nas últimas semanas, vem aumentando a mobilização internacional contra a possível extradição do jornalista australiano Julian Assange para os EUA. Fundador do WikiLeaks e responsável por impactantes revelações sobre crimes de guerra cometidos pelos EUA no Iraque e no Afeganistão, Assange está preso na Inglaterra desde abril de 2019, a pedido da Casa Branca, interessada em calar sua voz e evitar novos vazamentos por meio da intimidação. O jornalista aguarda deliberação da secretária Priti Patel, do Ministério do Interior britânico, que decidirá se ele será extraditado ou não. 

Embora a juíza de primeira instância que julgou o caso tenha recusado a extradição, as cortes britânicas aceitaram recurso dos EUA e rejeitaram os apelos posteriores de Assange. Autorizaram, assim, a extradição do jornalista, cabendo a Patel, porém, a palavra final. Ainda que Patel pertença ao Partido Conservador, espera-se que ela eventualmente repita o gesto de sua antecessora no cargo, Theresa May, que dez anos atrás negou a extradição no caso do hacker Gary McKinnon, o qual havia invadido os sistemas da Nasa e do Pentágono buscando informações sobre OVNIs. 

Apesar do cenário altamente preocupante, algumas notícias recentes favorecem Assange. No dia 21 de maio, os trabalhistas venceram as eleições gerais da Austrália, criando chances de uma mudança de posição do governo australiano — o qual até agora, sob direção dos conservadores, vinha abandonando o jornalista à sua própria sorte. Em abril, o pai de Assange, John Shipton, já havia celebrado a possível eleição de um governo trabalhista como uma “grande oportunidade” para libertar o jornalista [https://bit.ly/3Ga4rlr]. Em 2021, quando questionado sobre o caso o líder trabalhista e agora primeiro-ministro eleito, Anthony Albanese, foi suficientemente claro: “Basta. Não tenho simpatia por muitas de suas ações, mas essencialmente não consigo ver a que serve mantê-lo encarcerado”. [https:// bit.ly/3LFyin3

Em 18 de maio, a comissária de Direitos Humanos da União Europeia, Dunja Mijatovic, fez uma forte declaração em defesa de Assange [https://bit.ly/3yPDYYU], que permaneceu sete anos refugiado na embaixada do Equador em Londres, impedido de deixar a Inglaterra, antes de ser capturado com a anuência do governo de Lenín Moreno. “Na minha opinião, a acusação dos EUA contra Assange levanta questões importantes sobre a proteção daqueles que publicam informações classificadas de interesse público, incluindo informações que expõem as violações dos direitos humanos”, afirmou ela, lembrando que muitas das “amplas e vagas” alegações da Casa Branca contra Assange “são preocupantes, pois dizem respeito a atividades no centro do jornalismo de investigação na Europa e para além dela”. Assim, advertiu Dunja, permitir a extradição de Assange “teria um efeito assustador na liberdade de imprensa” e poderia, em última análise, dificultar a “fiscalização pública em sociedades democráticas”. 

“Priti Patel, ouça isso alto e claro: Julian Assange não deve ser entregue aos EUA”, escreveu, no The Guardian, o repórter Duncan Campbell, correspondente do jornal em Los Angeles [https://bit.ly/3LFcms0]. “Ele deveria ter recebido fiança há muito tempo para ficar com sua esposa, Stella Moris, com quem se casou na prisão em março, e seus dois filhos pequenos; ele poderia simplesmente ser marcado e monitorado eletronicamente”. Assange enfrenta acusações sob a Lei de Espionagem, destaca, o que acarreta uma sentença potencial de 175 anos. “E, sim, o sistema de justiça criminal dos EUA realmente impõe essas sentenças medievais.” Campbell lembra ainda que a Anistia Internacional engajou-se na campanha pela libertação do fundador do WikiLeaks. 

Cresce também a mobilização dos jornalistas, enquanto categoria profissional, em favor de Assange. Um abaixo-assinado da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) que pede sua libertação obteve 64 mil assinaturas e foi encaminhado ao governo britânico. No Brasil, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), diversos sindicatos de jornalistas e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) têm se somado a iniciativas em sua defesa, como a liderada pela Assembleia Internacional dos Povos (AIP). 

Uma reunião realizada em 19 de maio, com a participação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e de cerca de vinte outras entidades e grupos, aprovou uma série de medidas importantes, que incluem novos atos públicos de protesto diante das representações diplomáticas do Reino Unido e dos EUA em diversas capitais e a realização de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, com a possível participação de familiares de Assange. 

Enquanto tudo isso acontece, os apoiadores do jornalista australiano sofrem bloqueios inesperados (ou nem tanto). O professor Sérgio Amadeu da Silveira, da Universidade Federal do ABC (UFABC), coautor da série de programas de vídeos Tecnopolítica, denunciou que o YouTube bloqueou, e depois reprovou, o episódio intitulado Por que os EUA querem eliminar Julian Assange?. Na avaliação de Amadeu, um dos maiores especialistas brasileiros na temática das redes sociais, “querem reduzir o alcance da campanha pela liberdade de Assange”.