Corte salarial atingiu maioria da categoria

Onde se conquistou acordo coletivo, as perdas foram menores

por Paulo Zocchi

Sindicato na porta da Record, em Santos: ação pela preservação dos salários e pela proteção à saúde dos jornalistas

Apesar de o jornalismo ser oficial­mente considerado “atividade essencial” em meio à pandemia de coronavírus, a maioria dos jornalistas paulistas empregados em em­presas de comunicação ( jornais, revistas, rádio, TV e internet) sofreu redução de salário, suspensão de contrato de traba­lho ou demissão desde março último. As empresas puderam se apoiar na MP 936, publicada pelo governo federal no início de abril, estabelecendo a possibilidade de reduzir o salário em 25% por “acordo individual”, e, sem terem de prestar qual­quer comprovação da real necessidade de reduzir direitos, impuseram as medidas à categoria. Na capital, a redução de salários atingiu sobretudo a área de impressos: Estadão, Folha de S.Paulo, Valor, edi­toras Globo, Abril e Caras reduziram os salários em larga escala, de todos ou de parte de seus funcionários. No caso das grandes emissoras de TV, a única que fez uma redução geral foi a RedeTV!; SBT e Band cortaram o salário de parte dos funcionários. No interior, litoral e Grande São Paulo, a redução de salários atingiu os jornalistas de to­dos os setores. No total do Estado, nas empresas de comunicação, a redução de salários e de jornada atingiu mais de 1.600 jornalistas.

A posição do Sindicato dos Jornalis­tas, desde o início de vigência da MP (que depois virou lei), foi a de conde­nar o acordo individual (que não passa de uma imposição, pois o empregador tem poder hierárquico sobre o trabalha­dor) e defender que, em todos os casos, fossem feitos acordos coletivos. Houve assembleias, reunindo às vezes centenas de profissionais, para tentar avançar nes­ta via nas editoras Globo, Abril, Meio e Mensagem, na RedeTV!, na Tribuna, de Santos, entre várias outras empresas. Mas todas foram intransigentes, recusaram-se a negociar coletivamente e utilizaram a verticalidade prevista na lei para impor o acordo individual.

Acordos coletivos em grandes em­presas foram obtidos apenas em O Es­tado de S. Paulo e, depois, na Folha de S.Paulo. Não se evitou a redução salarial de 25%, mas houve diversas medidas que reduziram um pouco o impacto da perda, como um piso abaixo do qual a empresa recomporia o salário por meio de indenização, medidas de suporte e ressarcimento financeiro do home of­fice, e valor maior do pagamento extra em caso de demissão. No Estadão e na Folha, o movimento envolveu centenas de profissionais, em assembleias vir­tuais organizadas pelo Sindicato, e fez também com que as duas empresas, ao final do período, não tenham proposto estender a medida.

Demissões

O impacto da pandemia traduziu-se também em grande número de demis­sões na categoria. De março a julho, foram 576 perdas de emprego de jornalistas no Estado pelos dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), levantados pelo Dieese para o nosso Sindi­cato. No período, o registro oficial aponta 961 contratações de jornalistas no Estado, contra 1.537 demissões. O pico da perda de empregos ocorreu em abril e maio, com 434 fechamento de vagas.

Vê-se aqui não só a redução das reda­ções, mas também um movimento que pode indicar uma redução de massa sa­larial, com a saída de profissionais mais bem remunerados e sua substituição por outros com salários menores.

O mais perverso é que as empresas não precisam explicar coisa alguma ou demons­trar queda de receita para impor perdas nos salários de seus funcionários. Um caso lapidar é o da RedeTV!. Nada indica que a emissora tenha tido prejuízo durante a pandemia. Sua audiência cresceu, fechou contratos publicitários, recebeu aportes do governo federal e fez contratações milio­nárias. No final de 2019, já havia tentado reduzir salários de jornalistas e radialistas, pela retirada das horas extras fixas. Diante da iminência da greve, voltou atrás.

Em abril, viu a chance de voltar à car­ga. Passou a atrasar o pagamento da PLR prevista na Convenção, e, mesmo com um movimento coletivo dos jornalistas, não aceitou abrir negociações e reduziu os sa­lários em 25%. Depois, acompanhando os decretos de Bolsonaro, estendeu mais um mês a medida, e, no final de agosto, mais dois meses. Os jornalistas da emissora, porém, se mantêm alertas e buscando as vias para uma ação coletiva que ponha fim a esta situação.