Artigo: Em defesa do jornalismo profissional

por Paulo Zocchi

Na última edição do Unidade, no artigo “A falácia do jornalismo profissional”, o jornalista e professor Laurindo Leal Filho, membro do nosso Conselho Editorial, questiona o termo “jornalismo profissional”.

Seu alvo primordial são as empresas de comunicação, que se apropriam da expressão para fins de concorrência. Mas, no texto, Lalo desenvolve seus argumentos a ponto de colocar em questão a validade do próprio conceito de “jornalismo profissional”. “É uma categorização estranha, adjetivando a prática jornalística não mais por seu conteúdo, mas pela relação laboral”, afirma.
Considero necessário defender a validade desse conceito, base de nossa identidade e da construção de uma rede de direitos e garantias. Pretendo, então, fazer o debate neste espaço.

É importante lembrar, logo de início, que o nosso é o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. Cada palavra deste nome tem seu sentido e lugar. Houve discussão sobre o tema no momento de criação da própria entidade, em 1937. Seus fundadores debateram: seria o nosso um sindicato de trabalhadores assalariados ou de profissionais liberais? Definiu-se que seria de assalariados, trabalhadores, ou seja, de jornalistas profissionais.

Base constitucional
O conceito de jornalismo profissional está ligado ao fato primordial de que o jornalismo é uma profissão. Após uma longa trajetória, com idas e vindas, é hoje no Brasil uma profissão regulamentada por lei (mesmo se há muito a ser recuperado, aprimorado e atualizado na legislação), com registro oficial, funções definidas, deontologia e Código de Ética.

NO BRASIL, JORNALISMO É PROFISSÃO REGULAMENTADA POR LEI (MESMO SE HÁ MUITO A SER APRIMORADO NA LEGISLAÇÃO), COM REGISTRO OFICIAL, FUNÇÕES DEFINIDAS, DEONTOLOGIA E CÓDIGO DE ÉTICA

Entre os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição brasileira, está descrito, no artigo 5º, inciso XIV, que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Como se vê, a Carta liga o direito universal à informação ao jornalismo como profissão, e dá previsão institucional ao mecanismo democrático do sigilo de fonte, ferramenta básica para a prática do jornalismo – que não é garantido em muitos países.

A legislação que regulamenta o jornalismo profissional prevê sua abrangência e natureza, as funções profissionais, a jornada de trabalho específica e prevê o registro profissional. Com base nisso, os jornalistas são representados por sindicatos, presentes em todos os Estados, que negociam convenções e acordos coletivos – estabelecendo direitos e garantias como pisos salariais, reajustes de vencimentos, auxílios para alimentação ou creche, complementação de salário em caso de afastamento, horas extras diferenciadas, entre muitos outros. Além disso, em sua ação cotidiana, os sindicatos se opõem a demissões, atuam contra a violência, e, no caso recente da pandemia, por exemplo, agiram para exigir das empresas condições de segurança sanitária.

É deste edifício de direitos e garantias, essenciais para a prática jornalística, que estaríamos abrindo mão ao abandonar o conceito de jornalismo profissional.

A falácia das empresas
Em seu artigo, Lalo critica com razão as empresas de comunicação, pois buscam usurpar o conceito de jornalismo profissional em seu próprio benefício, para fins de concorrência. Para atender a seu objetivo, distorcem o conceito.

Em matéria sobre o tema, na Folha de S. Paulo, intitulada “Jornalismo profissional é mais confiável para eleitores” (10/10/2020), que reporta uma pesquisa do DataFolha, lê-se: “(…) os eleitores de São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Recife confiam mais no jornalismo e nos meios de comunicação profissionais do que na mídia digital e redes sociais”. Essa abordagem, tratando os veículos digitais como alheios ao “jornalismo profissional”, é reiterada no jornal e abusiva: ninguém pode contestar a seriedade e consistência do Jornal GNN e de The Intercept Brasil, entre muitos outros, como veículos jornalísticos.

Não se deve, entretanto, abandonar o conceito às empresas, cunhado que foi inclusive para enfrentá-las. Essa questão se liga à origem de nossa profissão, de nosso sindicato e àquela discussão dos anos 1930/1940. Naquele momento, uma forma de o emergente patronato da área de comunicação explorar a sua mão de obra no fazer jornalístico era tratar a atividade como uma espécie de “bico”, destinado a profissionais como bancários ou servidores públicos, por exemplo, que, depois do expediente, iam até a redação completar sua renda com algumas horas de trabalho no jornal.

Os profissionais agrupados no Sindicato combatiam esse cenário, buscando formas de qualificar a atividade jornalística e lutando por um “jornalismo profissional” sólido, com condições particulares de acesso, que então eram elaboradas. Nasceu disso, ao longo do tempo, a obtenção de pisos salariais, a delimitação de jornada de trabalho, a expansão do vínculo empregatício – condições essenciais para que os jornalistas se dedicassem à atividade como meio de vida e para que o jornalismo pudesse se desenvolver como profissão.

Comunicação digital
A chegada da comunicação digital provocou forte impacto. A tecnologia traz novas ferramentas de apuração, gravação, redação e edição e amplia muito a produtividade do trabalho em comunicação. É um avanço que reforça o jornalismo profissional. Ao mesmo tempo, com o advento das redes sociais, as pessoas se expressam de forma ampla, por meio de textos, gravações, áudios, vídeos, mas isso não se confunde com o jornalismo como atividade profissional (embora tenhamos de aprofundar a discussão sobre grupos de comunicação não profissionais que se multiplicam, atuando sobretudo em segmentos carentes de informação).

Nas sociedades contemporâneas, globalizadas e complexas, o jornalismo é uma atividade essencial, como o contexto de pandemia evidenciou. Pelos meios vultosos necessários para a sua realização, tem de ser também profissional.

Se quiser ser relevante, profundo e perene, precisa se dotar de estruturas permanentes e de meios financeiros que permitam a profissionais assalariados plena dedicação a pesquisas, viagens, entrevistas e apuração de informações de interesse público que, eventualmente, setores sociais querem impedir que sejam tornadas públicas. Isso pode se dar, considerando-se a necessidade de democratizar a informação em nosso país, pelo desenvolvimento da comunicação nas esferas estatal, pública e privada, e pelo fomento de novas formas de financiamento – como a Fenaj propõe com a taxação das plataformas digitais –, que incluam critérios de regionalização e pluralidade para a necessária expansão do jornalismo profissional. ■

  • Paulo Zocchi é presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Funcionário da Editora Abril, tem 37 anos de atuação profissional, tendo passado pela Folha de S. Paulo e TV Bandeirantes.