por Paulo Zocchi
Em 31 de julho próximo, o nosso Sindicato paga a última parcela de R$ 10 mil referente às dívidas deixadas pelo plano de saúde vigente em nossa entidade de 1º de janeiro de 2000 a 30 de outubro de 2003 – o PSS (Programa de Saúde do Sindicato). Foram mais de 17 anos pagando diversos credores, em soma que, se estima, superou os R$ 10 milhões (em valores atualizados), o que comprometeu seriamente as atividades sindicais regulares desde então. Essa última parcela é referente a uma pendência com o INSS, que, no estrangulamento financeiro vivido pela entidade ao final do plano, também deixou de ser pago.
Os problemas derivados dessa herança não estão totalmente resolvidos, pois ainda correm ações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) contra o Sindicato. Mas a entidade já conseguiu encerrar várias delas, e tudo indica que, no futuro, o mesmo se repetirá, como está explicado nesta matéria.
A origem do PSS
Nos anos 1990, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo intermediava um plano de saúde com a Unimed para algumas centenas de sindicalizados. Em 1999, essa relação passou para a Unimed Paulistana. Ainda naquele ano, a diretoria do Sindicato, em final de gestão, decidiu propor uma mudança profunda a ser iniciada em janeiro de 2000.
Pela proposta, aprovada por maioria em assembleia em dezembro de 2019, a mensalidade do Sindicato passaria de R$ 12 para R$ 45 (aumento de 3,75 vezes!), dando a todos os associados o acesso a um plano de saúde. Para quem não quisesse ou já tivesse plano (individualmente ou via empregador), o argumento da diretoria do Sindicato era o da “solidariedade”: a mensalidade de cada um financiaria o plano de saúde dos demais associados.
De imediato, houve uma consequência catastrófica, de longo prazo: uma desfiliação maciça de jornalistas nas redações, que já possuíam plano de saúde como parte da relação de trabalho, e que não concordavam com um aumento de 275% na mensalidade do Sindicato de um mês para outro.
UM ENORME ERRO: NOSSA ENTIDADE NÃO PODERIA
QUERER SUPRIR DIRETAMENTE PARA A CATEGORIA
UMA FUNÇÃO DE ESTADO, COMO A SAÚDE, SEM
COMPROMETER A SUA PRÓPRIA EXISTÊNCIA
Isso aprofundaria o fosso entre o Sindicato e os jornalistas empregados nas empresas de comunicação, principal base sindical em termos de agrupamento e de tamanho, onde existem as convenções coletivas (jornais, revistas, rádio e TV) que estabelecem os principais direitos da categoria no Estado, como piso salarial. Mesmo quando, depois, as mensalidades voltaram a um valor mais baixo, a sindicalização nas empresas persistiu baixa, demandando anos e anos de trabalho sindical para a sua retomada parcial.
Vigência e encerramento do PSS
A discussão em torno do PSS esteve no centro das eleições sindicais realizadas de 3 a 5 de abril de 2000, opondo chapas de situação e de oposição. A oposição, que o autor deste texto integrava, contestava a “obrigatoriedade” do plano para todos os sindicalizados e o aumento de mensalidade decorrente, alertando para o risco de “colapso financeiro” da entidade. No quadro do PSS, a diretoria do Sindicato promoveu uma vacinação contra a gripe na sede do Sindicato nos três dias da eleição, ligando ainda mais as duas questões. As eleições foram vencidas pela situação, que conduziu o PSS até o seu encerramento.
Houve uma grande mudança quatro semanas após o processo eleitoral de 2000: o contrato com a Unimed Paulistana foi encerrado por desavença de valores em 28 de abril, passando o PSS a funcionar com estrutura de autogestão. O Sindicato passou a ser, formalmente, “operador de plano de saúde” credenciado na ANS. Com isso, a entidade passou a ter relação direta com hospitais, laboratórios e médicos. A principal parceira do Sindicato nessa área passou a ser a Abet, Associação Beneficente dos Empregados em Telecomunicações (que se tornou três anos depois a nossa principal credora).
Na lógica de mercado, dava-se ênfase para as “vantagens comparativas” do PSS frente às demais opções, como exemplifica um encarte no Unidade de junho de 2000: nele, mostra-se que os sindicalizados tinham direito ao plano pagando R$ 45 de mensalidade, enquanto um jornalista de 50 a 59 anos, entre outros 13 planos apresentados pela publicação, gastaria de R$ 83,47 (Itálica) a R$ 285,33 (Sul América) mensais, e, na faixa acima dos 70 anos, de R$ 160,20 (Itálica) a R$ 604,74 (Amil).
No momento de implantação, o tema ocupou grande destaque na comunicação do Sindicato, estando presente em quase todos os números do Unidade em 2000. O foco eram os problemas administrativos do PSS e as formas mais “responsáveis” de utilização por parte dos usuários, para não onerar os cofres da entidade. Temas alheios à natureza das entidades sindicais.
Em 2000, a receita total do Sindicato somou R$ 4,08 milhões, e os gastos, R$ 5,53 milhões, gerando um déficit de R$ 1,45 milhão. Os gastos com a rubrica “despesas médicas”, isoladamente, totalizaram R$ 3,46 milhões. Os números falam por si. No texto de análise da prestação de contas, a diretoria do Sindicato aponta que “mensalidade única de R$ 45 mostrou-se insuficiente para fazer face a todas as nossas despesas, principalmente às do própria PSS”. Resultado: o Sindicato passou a ser, desde então, dependente do imposto sindical – recurso compulsório arrecadado com toda a base sindical, que a entidade devolvia até então aos jornalistas – e da contribuição assistencial – arrecadado com jornalistas não sindicalizados.
Em 2001, a adesão ao plano de saúde voltou a ser opcional (com mensalidade a R$ 25), e a adesão ao PSS passou a ter diferenciação de idade (menos ou mais de 60 anos). Providências foram sendo tomadas para tentar reduzir o endividamento, como reajustes de valores para usuários e a implantação de regras de moderação de uso. Em maio de 2002, em meio a dificuldades crescentes, a Abet assumiu a administração do plano.
As notícias escasseiam no jornal do Sindicato a partir de então. Em novembro de 2003, uma nota curta informa que a Diretoria Executiva do Sindicato, em reunião em 30 de outubro, decidiu encerrar o plano de saúde. “As dívidas absorvidas pelo Sindicato em prol da saúde de seus associados e familiares colocou o Sindicato numa situação em que não é possível mais correr riscos. Neste sentido, para que a entidade não se torne ainda mais frágil diante desta difícil realidade, a Diretoria Executiva não viu outra saída a não ser interromper o presente processo (…)”.
Endividamento profundo
O PSS foi encerrado com o Sindicato estrangulado financeiramente. Houve um grave dano por vários anos a todas as atividades essenciais da entidade, como o trabalho sindical regular (campanhas salariais, por exemplo, têm custos com assessoria econômica e jurídica, comunicação e mobilização). Faltou dinheiro para o cumprimento de obrigações legais básicas (como o pagamento de INSS dos funcionários), bem como para manter a contribuição normal com as entidades às quais o Sindicato é ligado, como Fenaj e CUT.
Um aspecto particularmente negativo foram as ações judiciais de jornalistas contra o próprio Sindicato, por conflitos envolvendo o plano (como consumidores fazem com prestadores de maus serviços).
A gestão da entidade passou a ser determinada pela dívida com os múltiplos credores. Com o principal deles, a Abet, negociou-se um pagamento parcelado por 15 anos. Ao final, em setembro de 2019, os pagamentos em valores atualizados superaram os R$ 7 milhões.
O problema que persiste ainda hoje relaciona-se à ANS. Para gerir o plano, o Sindicato credenciou-se como operador de planos de saúde, tendo como “produto” o PSS. Ao final do plano, a ANS aceitou encerrar a existência do produto, mas não aceitou o descredenciamento do Sindicato, pois havia pendências legais com credores e usuários. Em 2008, a ANS adotou uma regra geral para qualquer operador: a entrega de relatórios trimestrais sobre suas atividades, assinados por responsáveis médicos. Nessa época, o Sindicato já não tinha mais estrutura nenhuma voltada para o problema; nem teria como emitir os relatórios. Resultado: passou a receber a cada três meses multas elevadas, que viravam processos administrativos e, ao final, ações judiciais de cobrança.
Em alguns anos, essas multas somaram milhões de reais e começaram a chegar à entidade. O Jurídico do Sindicato contratou um advogado tributarista em 2012 para atuar na questão. Em 2013 (dez anos depois!!), conseguimos encerrar na ANS o registro do Sindicato como “operador”, e passamos a defender a anulação de todas as multas, provando que desde o final de 2003 não houve mais atividades.
Neste momento, já tivemos sucesso em anular cerca de 2/3 das multas. A lógica indica que as que faltam devem seguir o mesmo caminho – mas elas ainda nos ameaçam, num montante próximo de R$ 2 milhões.
Rápido balanço
Uma auditoria feita no Sindicato em 2016 mostrou que, em agosto daquele ano, o Sindicato ainda devia R$ 838 mil à Abet, o que custava R$ 36 mil mensais à entidade. Naquele momento, uma discussão interna mostrou uma opinião unânime: o conjunto das(os) diretoras(es) (incluindo os que estavam na diretoria à época do PSS) concordava que foi um enorme erro a montagem do PSS com o Sindicato como gestor, fazendo-o contrair compromissos financeiros com o atendimento à saúde e tornando-o “operador” credenciado na ANS. Com essas decisões, o Sindicato havia se desviado de suas funções essenciais – a defesa dos interesses da categoria nos embates ligados às relações de trabalho, aos direitos trabalhistas e sociais, ao exercício profissional e em sua luta pela democracia e pela liberdade de imprensa.
O Sindicato não poderia querer suprir diretamente uma função de Estado, como a saúde, para a sua categoria, sem comprometer a sua própria existência. Sob a pandemia, a importância do SUS ficou patente para quem quiser ver.
Decidiu-se então que, na questão de planos de saúde, o Sindicato pode abrir espaço para a organização de um coletivo de jornalistas que busque acesso a planos por um preço melhor, mas sem nenhum compromisso que envolva os recursos da entidade. É o que é feito hoje.
Com o PSS, tivemos uma difícil experiência, a um custo alto. Mas pudemos tirar como lição a importância da construção de uma entidade classista, que se apoie diretamente na vontade dos jornalistas, adotando uma gestão comprometida com o equilíbrio financeiro, canalizando os seus recursos para a defesa dos interesses gerais da categoria. É isso o que fez o nosso Sindicato enfrentar a difícil situação aberta desde 2017, com a reforma trabalhista, cortando os gastos e buscando o equilíbrio financeiro como ponto chave da gestão. Com base nisso, pudemos ter uma atuação importante para a categoria em meio à pandemia (na defesa de segurança sanitária para os jornalistas e no combate à redução de salários), reforçando o nosso quadro de sindicalizados.
Persiste, para a próxima gestão, o desafio de avançar ainda mais na sindicalização dos jornalistas, tornando o Sindicato presente na vida do conjunto dos jornalistas de São Paulo.