A imprensa por Perseu Abramo e Patrícia Campos Mello

por João Marques

Na resenha desta edição do Uni­dade, vou sair da ficção, falar da realidade e comentar dois livros que tratam da imprensa, a qual às vezes, por interesse, manipula a informação e distorce a verdade dos fatos; em outras, por dever do ofício, investiga e publica, podendo ser ofen­dida, ameaçada e até mesmo agredida. O primeiro foi lançado em 2003 e teve segunda edição em 2016, ano exemplar para entender a primeira parte da descri­ção acima; o outro acabou de sair e conta como os denunciados pela imprensa se organizam e reagem. São eles: Padrões de manipulação na grande imprensa, de Perseu Abramo (Fundação Perseu Abra­mo, 90 págs.) e A máquina do ódio, de Patrícia Campos Mello (Companhia das Letras, 296 págs.).

Além de trabalhar nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, Movimento e Jornal dos Trabalhadores, do PT, Perseu Abramo foi professor da Cásper Líbero, da Universidade de Brasília, da Federal da Bahia, da Faap e da PUC-SP, onde le­cionou por 15 anos – até sua morte, em 1996. Nesta, orientou vários projetos de iniciação cientifica e desenvolveu pes­quisa sobre a manipulação da informação e a distorção da realidade na imprensa brasileira – o ensaio desse livro é parte da pesquisa. Nele, Perseu Abramo mos­tra que a manipulação pode se dar pela ocultação de aspectos da realidade, pela inversão da relevância das informações ou, mesmo, pela descontextualização dos acontecimentos. O livro traz ainda artigo de Aloysio Biondi, sobre a imprensa no governo FHC, e um discurso de Perseu Abramo, feito aos estudantes de Jorna­lismo da PUC-SP, em 1995, durante ce­rimônia em sua homenagem.

Já Patrícia Campos Mello foi correspon­dente em Washington do jornal O Estado de S. Paulo e atualmente é repórter espe­cial da Folha de S.Paulo e comentarista da TV Cultura; esteve na Síria, no Iraque, no Afeganistão, na Turquia, na Líbia, no Líba­no e no Quênia, fazendo reportagens sobre refugiados e a guerra. Cobriu três elei­ções nos Estados Unidos e duas na Índia e acompanhou o crescimento do uso das redes sociais nas eleições internacionais. Em 18 de outubro de 2018, a Folha publi­cou sua reportagem “Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp”. A partir daí, passou a ser perseguida por um exército digital bolsonarista; foi ameaçada e precisou contratar segurança, recurso a que não recorreu nem em cobertura de guerras. No livro, ela fala da origem desses exércitos digitais, explica como se orga­nizam e também mostra o crescimento da direita no mundo.

Penso que os dois livros se comple­mentam, pois apontam para os inimi­gos do jornalismo profissional. No de Patrícia Campos Mello, são os denun­ciados por alguma reportagem, quando reagem de forma criminosa, ou nos “sites e blogs de direita e esquerda”, quando misturam opinião e notícia; já no de Per­seu Abramo, o inimigo está na própria mídia tradicional, quando, a partir de um fenômeno que “marca a essência do procedimento geral do conjunto da pro­dução cotidiana da imprensa”, manipula a informação e distorce a realidade, com intenções muito claras.